





Fotografadas entre 1967 e 1999, as imagens acima mostram diferentes épocas, famílias e locações, mas uma mesma cena: festinhas de aniversário, com bolo, docinhos, refrigerante. Pode reparar. Em todos os quadros, clicados na época em que era preciso escolher com cuidado o ângulo para não desperdiçar o filme, não há salgados – no máximo, eles aparecem tímidos, atrás das pessoas, cientes do papel secundário que exerciam em um evento desse tipo. O que não podia faltar em um aniversário não era sal, afinal. Era açúcar.
Talvez seja por isso que as memórias de infância, que sempre se fiam em marcos importantes, sejam assim, tão doces. Mesmo que o ordinário dos dias não fosse dos mais adocicados, o extraordinário deles poderia ser. Em mais uma coleção criada pelo Lembraria a partir do acervo de histórias de vida do Museu da Pessoa, selecionamos lembranças contadas por meio de fotos de aniversário com bolo e refrigerante. São imagens que, de alguma forma, unem as pessoas, ou ao menos aquelas que comemoraram seus anos de criança antes da pasta americana.
Na festinha organizada em 1967 pelo pai Tufik Lutaif para as filhas Mariza e Márcia, que completavam 9 anos e o primeiro aniversário, respectivamente, tinha um bolo alto, de pelo menos três camadas de massa, coberto com muito glacê, todo enfeitado. Ao lado dele, o que se vê é um recipiente cheio de tufos de papel branco, que se repetem, coloridos também de azul e rosa, nas mesas de aniversário do filho de Nilson Ramos Almada, em 1976, e da irmãzinha de Rosana Biscaro, em 1979.



Os tufos de papel picotado eram um clássico: embrulhavam as balas de coco que haviam sido encomendadas semanas antes com a doceira do bairro. Pareciam, pelas fotos, itens indispensáveis a qualquer festa, como sugerido, aliás, pela famosa colunista da seção Lar, Doce Lar, da revista O Cruzeiro, Helena Sangirardi. Na edição de 30 de julho de 1949, décadas antes das festinhas de Tufik, Nilson ou Rosana, ela já indicava a presença das balas no “menu” de aniversário. Dizia ela, no texto intitulado “Coisas para uma festinha”:
“Vou apenas citar as coisas que podem ser apresentadas numa festinha simples e íntima. […] Então vamos ao que eu chamo o “menu” da festinha:
Tarteletes de milho verde. Pasteizinhos de camarão, bem pequenos, fritos na hora. Barquetes de palmito ou aspargo. Empadinhas de galinha. Croquetes de bacalhau ou camarão. Sanduichinhos de presunto. Sanduichinhos de “bisnaguinhas” (esse pãozinho doce, compridinho, com paté de tomate e queijo). Sanduichinhos de molho de maionese e cenoura ralada. Um bolo – se for festa de aniversário – com velinhas conforme o número de anos do aniversariante. Se for adulto, pode ser posta só uma velinha, para evitar indiscrições… Croquetinhos de nozes. Bolinhas de abacaxi e coco. Nozes fingidas. Brigadeiro. Cajuzinhos de amêndoas ou amendoim. Docinhos de chocolate, leite e nozes. Sequilhinhos de coco. Cocadinhas brancas, enfeitadas com confeitos coloridos ou prateados. Queijadinhas, bem pequeninas. Balas de coco (alfenins). Balas de Ruth. Bombons de Regina Helena. Pavê enfeitado com meias nozes. Bebidas à vontade.
Sim, bebidas devem ficar mais ou menos ao gosto de cada família. Há os que não dispensam um gostoso ponche de frutas. Há os que não dispensam o barril de chope. Há os que gostam de servir refrescos caseiros. Há os que ficam nas bebidas do tipo guaraná. Há os que servem uísque, gin, conhaque, etc. Isso naturalmente fica ao gosto de cada um.”
Sobre o bolo, Helena sugere que se coloquem velinhas, indicando que, talvez, antes dessa época, o costume não existisse ou não fosse assim tão popular. Na festa de 8 anos de Rosemeire Chamberlain, em 1982, a vela já era tão comum que a dela tinha formato de Mônica. Em volta do bolo de glacê, as muitas garrafas de refrigerante indicam que quem organizou a festa seguiu o conselho do “bebidas à vontade”. Mas o que chama mais atenção na imagem é a cara de felicidade da menina, que parece ter acabado de apagar a vela com o dedo e se prepara para cortar o primeiro pedaço. Será que já fez o pedido?

Nas festas de Juraci Maria da Silva, a dona Jura, líder comunitária de Heliópolis, em São Paulo, também nunca faltaram refrigerante, cervejinha e bolo de glacê. Nas fotos abaixo, ela aparece em dois momentos: no aniversário do filho Alexandre, em 1985, e no da caçula Andreize, em 1999. No desta última, as balas de coco embrulhadas em papel picotado colorido fazem uma moldura para o mar de brigadeiros que parecem até fazer parte do bolo.


Veja a coleção completa, com mais fotos, no site do Museu da Pessoa.
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Outras coleções do Lembraria para o Museu da Pessoa:
- O verso da comida: histórias de fome.
- Cozinha imigrante: receitas judaicas em trânsito.
- Memórias de supermercado: a loja que revolucionou a cozinha.
- Saberes (e sabores) guardados: as receitas de uma mestre griô.
- Comer e beber a cidade: os estabelecimentos que lembram São Paulo.
- Sabores de infância: histórias de comida que lembram os tempos de criança.
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