“Eu, de Mário [de Andrade], tenho as lembranças mais afetuosas de convivência, que excluíam qualquer sentido literário, porque ele gostava muito de cozinhar e eu também. Às vezes ele não estava bem em casa e chamava a gente. Fazia uma comidinha, isso acho que foi só uma ou duas vezes. […] Eu já estava morando em…
Mês: julho 2016
As receitas falam – e pela raiz
Em um dos primeiros posts publicados no Lembraria, escrevi sobre receitas impressas em livros e cadernos antigos e sobre o idioma “falado” por elas, uma linguagem tão própria quanto viva e dinâmica. Desde o lançamento do livro Cozinha Tradicional Paulista em 1963, por exemplo, o imperativo “mate uma galinha” perdeu completamente o sentido em meio à descrição de uma…
“A papoula é crocante e isso faz parte do gosto”
Das coisas que gosto na culinária húngara: o doce de papoula; a palacinta; o goulash; o doce de mil-folhas. Das coisas que gosto na culinária brasileira, o escondidinho de mandioca; o pastel; o doce de abóbora com coco; o doce de queijo com goiabada. Cresci vendo minha mãe fazer doce de papoula. O que posso…
Café da manhã (Jacques Prévert)
Pôs café na xícara Pôs leite na xícara com café Pôs açúcar no café com leite Com a colherzinha mexeu Bebeu o café com leite E pôs a xícara no pires Sem me falar Acendeu um cigarro Fez círculos com a fumaça Pôs as cinzas no cinzeiro Sem me falar Sem me olhar Levantou-se Pôs…
O Jantar*
Se conhecesse pessoalmente o diretor do revivido Belas Artes, em São Paulo, pediria a ele, a pretexto da “nova” encarnação das salas, para exibir logo, por favor, uma cópia de O Jantar (1988), de Ettore Scola. Um desejo enorme de assistir em tela grande a abertura da canastra em que se vê, na função de uma…
Come, meu filho
“(…) Você prefere prato fundo ou prato chato, mamãe? – Chat… raso, quer dizer. – Eu também. No fundo, parece que cabe mais, mas é só para o fundo, no chato cabe para os lados e a gente vê logo tudo o que tem. Pepino não parece inreal? – Irreal. – Por que você acha?…
O “verdadeiro” virado à paulista não é um, mas muitos
Como toda boa receita considerada tradicional, o verdadeiro virado à paulista não é um, mas muitos. O impulso para este post surgiu de uma visita ao bar/restaurante A Casa do Porco, em São Paulo, do chef Jefferson Rueda. Em seu cardápio, há uma mistura contemporaneizada de porco, feijão, couve, linguiça, banana e ovo de codorna que…
“Quem nos tira de um viradinho bem mexido não nos quer bem…”
Balbina Rosa, casada com o Chico, mãe do Quincas, viveu na São Paulo do século 19. Ela gostava muito de virado de feijão, mas andava descontente com o preço dos ingredientes que tinha de comprar para a receita – nos idos de 1860, o grão, em especial, estava pela hora da morte. Tão caro quanto…
Como é que o príncipe Talleyrand conseguia parar em pé?
A reputação culinária do francês Alexandre Dumas (1808-1870) nunca superou a literária. No entanto, durante quinze anos o autor de O Conde de Montecristo, Os Três Mosqueteiros e A Rainha Margot, entre outros romances, escreveu uma obra de referência chamada Grande Dicionário da Culinária, publicada no Brasil pela Zahar. Deste híbrido de temas culturais, de comportamento e de…
Conte outra
“Cuidado: quase sempre, nós idosos nos servimos da saudade para “viver”, numa lembrança inventada, algo que, de fato, não conhecemos – e agora é tarde. Nossa vida não foi o que queríamos, e ela não vai mudar mais, no entanto “tivemos”(na lembrança) uma infância de conto de fadas, não é?” Essa sentença é uma fatia…