Antes de qualquer coisa, um aviso: é provável que o título acima seja uma grande mentira. Não dá para cravar quem, com toda a certeza, teriam sido as primeiras pessoas a preparar e a vender café na cidade. O que vou descrever aqui resulta de uma pesquisa em registros pinçados de livros, antigas colunas de jornal…
Mês: maio 2016
Narcisa, já preparou a massa do biscoito de polvilho?
“- Estas suas balas são deliciosas. Eu não consigo fazer ficarem douradas. Açucaram. – Como é que você faz? – Eu ponho açúcar e água em proporção e faço ferver. Mas, à primeira mexida de colher, açucara tudo. – É isso! Não se pode mexer! – Mas como é que se mistura? – Mistura e…
Cheiros e sons que lembram comida e São Paulo
Entre as escassas fontes sobre o passado, sobretudo antes do século XX, uma das mais interessantes são os relatos escritos por memorialistas, pessoas que, por diversos motivos, decidiram publicar em livro ou em colunas de jornal as lembranças que guardavam sobre “seu tempo”. As histórias cheias de detalhes de uma época de simplicidade – do…
O silêncio dos dias
Lá estavam eles. O fogão e a mulher. Entre os dois havia um poço de dúvidas e nela uma vontade de pular. Silêncio enclausurado em pintura de Edward Hopper, não entrasse pelo janelão o barulho da cidade crescendo do lado de fora. Os minutos tombavam, um depois do outro. Naquela tarde, a cozinha cheia de…
Ragu e tremores
Em um vilarejo nos arredores de Nápoles, rotineiramente ecoam os humores do Vesúvio. Mesmo quando a terra não estremece, dá para percebê-los nas discussões de família, nas brigas de namorado, na fila do armazém. Dizem que uma deusa emite os sinais do fundo do mar. Quando a terra de fato treme, todos já sabem: a…
Ovo equilibrado na colher
“Virginia atravessa a porta. Sente que controla totalmente a personagem que é Virginia Woolf e, como aquela personagem, tira o casaco, pendura-o e desce até a cozinha para falar com Nelly sobre o almoço. Na cozinha, Nelly está abrindo a massa. Nelly é ela mesma, sempre ela mesma, sempre grande e corada, majestosa, indignada, como…
“Comemos nossas lembranças…”
“É mais lógico acreditar que comemos nossas lembranças, as mais seguras, temperadas de ternura e de ritos, que marcaram nossa primeira infância.” A historiadora francesa Luce Giard, no segundo volume de A Invenção do Cotidiano, livro que assina com Michel de Certeau e Pierre Mayol, faz belas reflexões sobre comida e memória, sobre as transformações culinárias…
Livros de receitas lembram o passado; fatias douradas, também
Quem folheia um caderno ou um livro de receitas antigo não encontra apenas o preparo que foi lá procurar. Encontra também a massa de pastel com pinga da tia Jeni, rabiscada na pressa da última visita na contracapa. Encontra três páginas ilegíveis por causa da mancha do café derrubado, seca ali há anos. Encontra o bolo Souza Leão…
Um livro, duas moças e uma cachaça com canela
Já era quase noite quando Jamile finalmente conseguiu se arrumar. Havia chegado mais cedo do trabalho para ter tempo de embalar os biscoitos preparados por Luzia, sua cozinheira, e pegar a canelinha (cachaça com canela) que ela mesma tinha feito dias antes e guardado na geladeira. Àquela hora estava tudo pronto. Já dentro de seu…
“Sanduíche de grande montagem” para um (des)encontro crônico
“Tudo, entre nós, havia que continuar sendo casual. Não tínhamos nada que marcar encontro das cinco-e-quinze, no tal bar, tido e havido como discreto. Resultado: aquele sem jeito, aquela falta de ar, aquela vontade de voltar para casa, que nós, apesar de lúcidos e afins, não conseguíamos explicar. Mas, que foi engraçado, foi. Primeiro, para…