Mesmo diante da mesa fartamente preparada para as festas de fim de ano, a avó de João Carlos Pinto Casangel da Silva dizia: “Eu não gosto de cozinhar”. Acostumada a fazer um bolo para cada dia, cada um de um sabor diferente – vai que aparece alguém sem avisar! -, ela só podia estar brincando ao afirmar que não era afeita à lida na cozinha. Nascido em Campinas, hoje morador do Rio de Janeiro, João Carlos, agora aos 30 anos, parece entender o que sua avó queria dizer. É que o gosto dela não era mesmo pelo preparo das receitas em si; mas, sim, pela capacidade que suas comidas tinham de juntar, em um só lugar, as pessoas de que ela mais gostava.
“Eu não gosto de cozinhar”, ela frisava cada vez que ia pra beira do fogão. Soltava aquele velho clichê: “o que importa é o amor”, e fazia jus às suas palavras. Todo dia tinha bolo, um bolo diferente pra cada dia: cenoura, banana, chocolate, fubá, laranja; todo dia, fosse o dia que fosse, tinha gente! De repente, chegavam a vizinha, o filho, outro filho com os netos, o amigo do filho, a irmã, a nora, algum mendigo pedindo um prato de comida. Chegavam as risadas, as histórias, as conversas, as brigas, os castigos, o futebol. Chegava a macarronada… Era domingo.
Sua especialidade? Alguns dizem ser angu com rabada, outros preferem seu mocotó, tem uns que ainda sonham com a tal da macarronada – talvez ela tenha aprendido com sua mãe que veio da Sicília, ou com seu pai preto, ou talvez ela tivesse de cozinhar para seus treze irmãos. Mas qual era sua especialidade mesmo? No fim, reunir todos em volta da enorme mesa na sala tornou-se sua grande missão! Eu ficava ansiosamente esperando pelas reuniões. Até os velórios, sinônimo de tristeza para a maioria. Afinal, todos seguiam direto pra casa dela, e o momento triste era por alguns instantes esquecido, como se o defunto ali estivesse participando daquela festividade.
Melhor que velório só réveillon, toda aquela mesa farta preparada com dias de antecedência, os porcos marinados nos tachos (obra dos tios), a lentilha pra dar sorte, as mulheres enfeitando as mesas, crianças correndo, algumas crianças veteranas na cozinha, o samba acontecendo e vinham as histórias… “A família da mamãe, de origem italiana, não queria deixar que ela se casasse com papai, porque ele era negro. Aí, eles fugiram e tiveram meus treze irmãos e eu”, contava minha avó. Era minha história preferida! Ficava imaginando onde cabia tanta gente, tanto amor, tanta comida, tanta coisa!
Eu não gosto de cozinhar. Não fazia muito sentido pra mim. Hoje faz. Não era cozinhar, era o ato de poder reunir a família, os amigos, os inimigos, o pobre, o preto, o rico e o branco através da cozinha. É isso que me trouxe aqui: reunir as pessoas assim como fez minha avó, amando a cozinha.
ADALBERTOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
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