Quando o iugoslavo Avraham Ben Avran chegou a São Paulo, depois de deixar Israel, foi dar uma volta no Bom Retiro, o bairro em que viveria e onde, mais tarde, montaria a Doceria Burikita. Ao se deparar com uma placa na Rua dos Italianos, “curva perigosa”, ele se assustou não pelo perigo, mas pela tradução instantânea que fez para seu idioma nativo: “na nossa língua, curva é puta”. Dali em diante, Avraham e sua família teriam de se acostumar com muitas diferenças em relação à terra-natal ou a Israel; mas havia um lugar onde eles sempre encontrariam o conforto de suas origens judaicas: a cozinha.
Ali, sua mulher, dona Matilda, que ele conhecera em Belgrado e com quem se casara em 1935, ia se adaptando aos ingredientes e às comidas do dia a dia brasileiro, mas não se esquecia das receitas que havia aprendido com a mãe dela, falecida já há tempos, na Segunda Guerra (seu Avraham perdera pai e mãe na Primeira, no mesmo ano de seu nascimento, 1914). Em ocasiões especiais como a noite de sexta-feira, durante o Shabat, ela seguia fórmulas judaicas vivas em sua memória para preparar o jantar. Uma delas era a da burikita, uma massa folhada recheada, parente da bureka, mas, diferentemente desta, moldada no formato de uma trouxinha, não de uma rosca.

Depois de uma malsucedida incursão no ramo da marcenaria, seu Avraham resolveu usar a saborosa receita de família, feita com capricho por dona Matilda, para abrir um novo negócio. Com alguns exemplares quentinhos na sacola, ele partiu do Bom Retiro para a Vila Buarque, região da Universidade Mackenzie, para oferecê-los às padarias voltadas para os estudantes. Assim que conquistou um professor com aquele sabor especial – “elas desmancham na boca!” -, conseguiu sua primeira encomenda: 300 burikitas. Era 1970, e, logo, Avraham abriu as portas da Doceria Burikita, até hoje instalada no Bom Retiro.
Hoje, quem comanda a doceria é o iugoslavo David Ben Avram, 70 anos, que continua a vender burikitas de queijo, batata, espinafre ou palmito (7 reais cada uma), preparadas segundo a mesmíssima receita, e também a servi-las durante o jantar de Shabat em sua casa. David é filho de dona Matilda e de seu Avraham, que morreram, respectivamente, em 1999 e em 1998. Antes disso, em 94, o patriarca contou sua rica história ao programa Memórias do Comércio, do Museu da Pessoa.

***
Outras coleções do Lembraria para o Museu da Pessoa:
3 comentários Adicione o seu