A reputação culinária do francês Alexandre Dumas (1808-1870) nunca superou a literária. No entanto, durante quinze anos o autor de O Conde de Montecristo, Os Três Mosqueteiros e A Rainha Margot, entre outros romances, escreveu uma obra de referência chamada Grande Dicionário da Culinária, publicada no Brasil pela Zahar. Deste híbrido de temas culturais, de comportamento e de comida derivam-se dois textos reunidos em um volume pequeno, de 150 páginas, também trazido pela Zahar. É o Memórias Gastronômicas, seguidas de Pequena História da Culinária. A edição que tenho comigo é de 2005.
É livro de se percorrer à sombra, sem pressa, cheio de histórias e perfis interessantes, curiosos, um panorama charmoso das pessoas e das questões de gosto e paladar, maneiras, costumes, desejos. Tudo isso desde, digamos, o pecado original.
Sobre o príncipe de Talleyrand (1754-1838), Dumas discorre na página 30. Era o dono da mesa mais famosa e eclética de sua época e teve entre seus cozinheiros Marie-Antoine Carême, uma das maiores referências da alta gastronomia francesa, o “rei dos cozinheiros e cozinheiro dos reis”, e que chegou a dedicar um livro ao patrão (Pâtissier royal).
Charles-Maurice de Talleyrand-Perigord foi um diplomata francês que adorava comida e buscava entender cada vez mais o tema. Era conhecido pelo apetite refinado. Chamavam-no de “o primeiro garfo da França”.
É curioso. Dumas diz que Talleyrand foi “dos primeiros a achar que uma culinária saudável e equilibrada fortalece a saúde e impede doenças graves”. No entanto, eu me pergunto como o príncipe parava em pé sem tomar café da manhã nem almoçar, porque para ele só o jantar era importante. Dizem que lhe bastava, antes disso, beber três xícaras de chá de camomila. Eu não poderia…
Talleyrand, aos oitenta anos, gastava uma hora de todas as suas manhãs com seu cozinheiro, discutindo com ele todos os pratos de seu jantar, única refeição que fazia, pois pela manhã tomava apenas, antes de começar a trabalhar, duas ou três xícaras de camomila. Todos os anos o príncipe ia beber das águas de Bourbon-l’Archambault, que tinham excelente influência sobre sua saúde; dali, dirigia-se ao seu magnífico castelo de Valençay, cuja mesa era aberta a todos os homens ilustres da Europa.
Em Paris, o príncipe jantava às oito horas; no campo, às cinco; quanto o tempo estava bom, um passeio sucedia o jantar. Ao voltar, punha-se à mesa de jogo, e o silencioso uíste [jogo de cartas de origem britânica] tinha sua vez. Terminado o jogo, Talleyrand retirava-se para o seu gabinete de trabalho a fim de cochilar. Os bajuladores diziam: “O príncipe está refletindo…”.